
Após 35 dias da tragédia, em Araguari (MG), a Polícia Civil de Minas divulgou o laudo das investigações, nessa quinta (15); excesso de velocidade foi a principal causa
ados 35 dias da tragédia na rodovia MG-223 que matou 12 pessoas e deixou dezenas de feridos, em Araguari, no Triângulo Mineiro, no dia 8 de abril, a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) finalizou o processo de investigação e indiciou o motorista do ônibus, da Real Expresso, por 12 homicídios e 46 tentativas de homicídio qualificados.
O resultado da investigação foi apresentado à imprensa, em entrevista coletiva, nesta quinta-feira (15), em Araguari (MG). Segundo o perito criminal Daniel Luiz de Souza, o ônibus trafegava em uma velocidade 50% acima do limite permitido no trecho, o que resultou no tombamento do Mercedes-Benz, modelo Busscar VBUSS DD, com placas de Carmésia (MG).
Pouco antes da tragédia, em uma parada para lanche, o motorista, de 58 anos, que não teve o nome revelado, fez um aviso aos ageiros: “coloquem os cintos que eu vou correr pra tirar o atraso“. Infelizmente, essa atitude foi determinante para que o motorista – que não teve o nome divulgado – perder o controle do veículo, próximo ao “Trevo do Queixinho”, quando estava a 96 km/h.
Uso do cinto poderia ter salvo várias vidas
Ainda de acordo com o perito, o condutor foi indiciado vai responder ao processo em liberdade. Outro agravante, de acordo com o perito, foi a ausência de cinto de segurança. “O ônibus chegou no trevo, havia uma curva para a direita e ele estava em velocidade acima da permitida, mais de 50%. Ao entrar no trevo, a curva era bastante acentuada, ele tomou para a esquerda. Após tombar, ele arrastou, atravessou a via que contornava o canteiro central e avançou para dentro do canteiro central por nove metros. Foi um acidente que se deu por conta do excesso de velocidade, o condutor desatento e ageiros sem o cinto”, explicou Souza.
Com isso, segundo Souza, “todos os ageiros, que estavam o equipamento, foram arremessados para a grama e, na sequência, o ônibus os esmagou nesse percurso de nove metros. Então, nove corpos foram retirados debaixo do ônibus, sendo seis apenas depois que levantamos o ônibus”.
ageiros
Inicialmente, a Real Expresso informou que havia 54 pessoas no veículo, sendo 53 ageiros. Mas, após a apuração da Polícia Civil de Minas, foi confirmado que eram 59 pessoas, incluindo o condutor.
Conforme relato do delegado Rodrigo Luiz Fiorindo Faria, a lista fornecida pela Real Expresso tinha inconsistências e não constava o nome de alguns ageiros. Com o cruzamento de informações junto às unidades de saúde que receberam os feridos, foi possível saber o total.
Ainda conforme o delegado Silva, os depoimentos desses ageiros indicaram que o motorista demonstrava estar com pressa. Várias testemunhas relataram que ele pediu aos ageiros que colocassem os cintos, pois precisava “tirar o atraso da viagem”.
“As oitivas das vítimas sobreviventes denotam realmente situações de que o motorista, inclusive ele confirmando, que necessitaria estar em alta velocidade para tirar o tempo de atraso, o que é inissível por se tratar de um motorista profissional que tem que ser garantidor de vidas que são depositadas a ele e à empresa“, frisou Silva.
Telemetria
Além disso, os dados de telemetria disponibilizados à polícia demonstrou que o motorista trafegou, senão durante todo o trajeto, por boa parte dele, em alta velocidade. A partir dessas provas, Silva disse que foi descaracterizada a autuação por infração de trânsito e configurado o crime de homicídio e tentativa de homicídio qualificado, pelos quais o investigado foi indiciado por 58 vezes.
“O motorista, como é uma empresa de transporte de ageiros, ele está numa função de garantidor. Ele garante a segurança das pessoas e, com essa conduta determinada e declarada pelas vítimas ali, além dos outros elementos que constaram no inquérito policial, foi possível a descaracterização primeiro da culpa, para retirar esse enquadramento do Código de Trânsito Brasileiro e ar para o Código Penal, caracterizando o dolo”, esclareceu Silva.
Cronotacógrafo não é citado
Apesar de ter citado a telemetria, o delegado Rodrigo Faria, em entrevista a TV Globo, não fez menção ao cronotacógrafo – a caixa-preta do setor de Transporte Rodoviário, considerada a caixa preta do transporte rodoviário. Essencial para identificar velocidade praticada ao longo do trajeto, tempo de direção do condutor e distância percorrida.
Mas fez questão de destacar a suposta colaboração da empresa fornecendo os dados da telemetria. Os quais podem contribuir para o inquérito mas o cronotacógrafo estava com a verificação em dia, portanto, validado pelo Inmetro e as informações por ele geradas não podem ser descartadas legalmente em função da telemetria, que não a pelos mesmos controles do Estado.
O Estradas solicitou informações sobre o equipamento para a Polícia Civil, já que a mesma TV Paranaíba, afiliada da Globo, divulgou que o cronotacógrafo ou informações por ele geradas teriam desaparecido. A reportagem não recebeu as respostas.
Esta informação é particularmente importante, considerando que pessoas estranhas tiveram o ao local, que deveria ser isolado pela polícia. Inclusive, o nome da empresa foi pichado com spray, provavelmente para evitar desgaste de imagem, já que saiu em toda mídia. Portanto, há indícios que a mesma pessoa pode ter ado o cronotacógrafo e retirado as informações essenciais para a perícia, que comprometessem ainda mais o condutor e talvez a empresa.
Segundo a imprensa da região, o DER de Minas Gerais tem um radar próximo ao local mas até o momento os dados registrados pelo equipamento não foram disponibilizados, após mais de 30 dias de investigação.
Perito diz que local do crime não foi preservado
Na avaliação do engenheiro e especialista em Sinistros de Trânsito, Rodrigo Kleinübing, ouvido pelo Estradas, em primeiro lugar, ficou evidente de que o local do crime não foi preservado como prevê a legislação, já que pessoas estranhas puderam ter o ao ônibus, inclusive para usar algum tipo de spray para poder esconder a marca do ônibus, que é gravíssimo.
Segundo ele, essas pessoas podem ter tido o ao cronotacógrafo e identificado de que havia excesso de jornada e retirado o disco diagrama ou a fita diagrama, ou seja, as informações que ali seriam úteis para a perícia. “Então, esse é o primeiro fato gravíssimo. E essas informações provavelmente confirmam aquilo que a Polícia Civil encontrou na telemetria”, pontua.
Kleinübing vai além: “é importante, nesse sentido, destacar que a Polícia Civil fez bem em solicitar a telemetria, já que as informações do cronotacógrafo não estavam disponíveis.”
Inacreditável
Já para o coordenador do SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto, “não podemos acreditar que o motorista seja o único responsável pelo que ocorreu. Precisa ser apurado se não houve pressão de horário; qual era a jornada desse condutor; se esse excesso de velocidade era para que ele pudesse cumprir o horário; se foi suprimida alguma parada, que deveria ter no trajeto para compensar o atraso, para atender ao interesse da empresa, e que isso tenha contribuído para a tragédia. Ao mesmo tempo, é necessário analisar outras viagens, com outros motoristas, para checar se existe a prática de excesso de velocidade e jornada na rota. Caso esteja ocorrendo, pode revelar que não é um caso isolado mas uma rotina na empresa“.
Viagem estava autorizada
Na ocasião do sinistro, a reportagem do Estradas obteve junto à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) a informação de que a viagem estava autorizada. Veja na íntegra a nota oficial da Agência:
“A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) lamenta profundamente o acidente envolvendo um ônibus interestadual na MG-223, em Araguari (MG), nesta terça-feira (8/4), e expressa solidariedade aos familiares das vítimas.
A ANTT confirma que o veículo envolvido fazia o trajeto Anápolis(GO)/São Paulo(SP) e estava com a documentação e os cadastros regulares para o transporte interestadual de ageiros. O ônibus possuía Seguro de Responsabilidade Civil e Certificado de Segurança Veicular válidos, além de cronotacógrafo devidamente aferido e habilitado, em conformidade com a legislação vigente.
A Agência, em conjunto com outros órgãos, está acompanhando a situação. A ANTT instaurou processo istrativo para monitorar o caso e fornecerá todas as informações necessárias às autoridades de segurança pública para apoiar as investigações.“
Sobre o processo istrativo aberto pela ANTT, o Estradas consultou a Agência, nesta quinta-feira (15), para saber se já tinha sido concluído, mas não obteve resposta, até a publicação desta matéria.
A reportagem também solicitou à ANTT o esquema operacional da linha à qual o ônibus da Real Expresso fazia. Mas o portal não recebeu o documento.
A Agência respondeu a apenas algumas questões sobre pontos de parada no transporte de ageiros que o Estradas havia solicitado. A reportagem apurou que os fiscais da ANTT não tem o ao esquema operacional das linhas, o que não foi negado pela ANTT.
Excesso de jornada
Além disso, a reportagem apurou também, que na ocasião do sinistro, o motorista do ônibus já estaria a disposição da empresa há mais de 8 horas, quando tombou, o que indica possível sinais de fadiga e cansaço, somados ao abuso na velocidade.
Levando em conta o horário da partida e a hora do sinistro, e considerando que o motorista busca o veículo na garagem e ainda realiza o embarque dos ageiros, é muito provável que já tivesse ultraado a jornada de trabalho.

Vítimas fatais
Naquela ocasião, a empresa informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o ônibus havia parado em Caldas Novas (GIO), pois é secção oficial da linha, e depois parou para lanche, sem citar o local. A reportagem perguntou se o coletivo iria parar em Campinas (SP). A Real Expresso disse apenas que o ônibus parou em varias sessões, mas o destino final era São Paulo (SP).
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